Artigo

Nietzsche: para tempos acres

Por Paulo Rosa - Médico do SUS, Hospital Espírita, Caps Porto
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Apreciador de Nietzsche há três ou quatro décadas, meu primeiro contato foi com sua citação: 'não é a dúvida, é a certeza que enlouquece'. Ela está, creio, em sua autobiografia, Ecce Homo [Eis o Homem]. Uma síntese magnífica de soporíferos tratados de psicopatologia, pois, com meia dúzia de palavras o alemão nos alerta que sempre que estivermos muito seguros, absolutamente seguros de algo, - atento! -, devemos estar completamente loucos. Para nossa turma psi é afirmativa a ser levada bem a sério: nunca estaremos mais 'certos', 'convictos', 'seguríssimos' do que quando alucinamos, vemos coisas que não estão na realidade, e/ou quando deliramos, i.e., ao crermos, fiel e cabalmente, nos próprios olhos, ouvidos, pensamentos, saberes. Rechaçamos toda e qualquer ideia que possa colidir com a nossa certeza. Sentimos segurança, falsa, óbvio, mas autoconvincente, quando imersos na loucura. Guiamo-nos por soturnas afirmações íntimas, tipo: 'eu que sei, todos os demais estão equivocados'. Imagine-se o drama, o sofrimento, tanto do sujeito, quanto do entorno.
Mas, se Nietzsche é esclarecedor para psicanalistas e correlatos, pode também ser alentador para estes trágicos tempos gaúchos. Coincidiu que havia começado a leitura de Nietzsche, biografia de uma tragédia, de Rüdiger Safranski, Geração Ed., 2019, 350 páginas, traduzido por Lya Luft, justo quando se iniciavam as chuvas desta calamidade. Creio ter encontrado algumas passagens que poderão, eventualmente, ser úteis para os desassossegos, os acrescidos sofrimentos atuais de todos nós.
Lá pelas tantas o biógrafo destaca "a exortação de Zaratustra, sejam fiéis à terra, era aqui ouvida com devoção, e seguida", página 293 [itálicos do autor]. Essa ideia de fidelidade à terra é por demais pertinente há quase duzentos anos. Ante nossa tragédia atual não há como passar por alto que as transações entre humanos e Terra têm custo, e que ele é tanto mais elevado quanto maior a interferência. A inocente lavoura, a simples barragem, a pequena queima do pequeno agricultor: nada passa batido pela vigilância da Natureza. Imaginem-se os custos das grandes ofensas aos grandes biomas. É como se o Meio Ambiente anotasse em um caderno cada um dos agravos cometidos e os consequentes efeitos a curto e longo prazo, cobrando, sem contemplações, os desequilíbrios registrados.
"O que lá fora age no mundo, no todo da Natureza, também atua como energia criativa no indivíduo...as forças que agem em todas as coisas, [agem] também em nós"... página 299. Safranski destaca que Nietzsche, assim como o francês Henri Bergson, foram chamados como filósofos da vida, os dois utilizam um modo semelhante de ligar os acontecimentos cósmicos aos individuais.
Nietzsche cai bem no momento, quando diz que "o que não me mata me fortalece", coisa que alenta o gaúcho a pelear pelo Rio Grande, saindo desta mais forte. Se com inteligência agir.

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